A MINHA ODISSEIA...

segunda-feira, abril 17, 2006

O DES-HUMANO É O SER HUMANO - PARA NUNCA ESQUECER...

EXCLUÍDOS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS...

Para nunca esquecer os milhões de pessoas deste planeta que vivem na mais pura das misérias, pessoas sem nome, sem história, e fora da História, que vagueiam, sós, sujos, alcoolizados, rabugentos, de barba e cabelos compridos, para quem ninguém olha (salvo, se for para enxotar). Companheiros das pombas dos imensos jardins das nossas cidades, eles habitam nesses jardins, tendo como suas protectoras, os milhões de estrelas do Universo, que os iluminam e lhes dão calor. E eu sei isto, porque sinto, sinto-os, e vejo, através dos seus olhos, brilhantes, que brilham e iluminam a humanidade, porque eles são todos nós, o Ser Humano. Esses homens e mulheres relegados para a margem das nossas sociedades, homens e mulheres que constituem o paradigma da exclusão, os excluídos, os vagabundos, errantes solitários das margens dos lagos da humanidade, que são, afinal, eles mesmos, a Humanidade. Eles abarcam neles próprios todo o Humano. E, nós, é ao confrontarmo-nos com a des-humanidade deles, que nos tornamos seus irmãos, seus pares, humanos, igualmente. Sentimos nesse confronto, ao mesmo tempo, todo o sentido do Humano presente nestas pessoas errantes. “Sentimos a inquietante presença do Outro e, com este, do rosto que excluímos para os arrabaldes do humano mas que persiste, afinal, no centro da nossa própria vida” (Carvalho, 1999). Sendo o resto do mundo, é exactamente nessa altura que eles, “a massa anónima, continuamente renovada e sempre idêntica, dos não-homens que marcham e se afadigam em silêncio” (Levi, 1958), se tornam o Mundo, e, ao serem o Mundo, eles são o Ser Humano - todos Nós.
Para nunca esquecer que houve um dia, uma época, um tempo na Humanidade em que o Ser Humano foi o carrasco do Ser Humano...


O Resto Do Mundo

Eu queria morar numa favela
O meu sonho é morar numa favela
Eu me chamo de cherôso como alguém me chamou
Mas pode me chamar do que quiser seu dotô
Eu não tenho nome
Eu não tenho identidade
Eu não tenho nem certeza se eu sou gente de verdade
Eu não tenho nada
Mas gostaria de ter
Aproveita seu dotô e dá um trocado pra eu comer...
Eu gostaria de ter um pingo de orgulho
Mas isso é impossível pra quem come o entulho
Misturado com os ratos e com as baratas
E com o papel higiénico usado
Nas latas de lixo
Eu vivo como um bicho ou pior que isso.
Eu sou o resto…
O resto do mundo
Eu sou mendigo, um indigente, um indigesto, um vagabundo
Eu sou...
Eu não sou ninguém.
Eu tou com fome
Tenho que me alimentar
Eu posso não ter nome mas o estômago tá lá
Por isso eu tenho que ser cara-de-pau
Ou eu peço dinheiro ou fico aqui passando mal
Tenho que me rebaixar a esse ponto porque a necessidade é maior do que a moral.
Eu sou sujo eu sou feio eu sou anti-social
Eu não posso aparecer na foto do cartão postal
Porque pró rico e pró turista eu sou poluição
Sei que sou um brasileiro
Mas eu não sou cidadão
Eu não tenho dignidade ou um tecto pra morar
E o meu banheiro é a rua
E sem papel pra me limpar
Honra?
Não tenho
Eu já nasci sem ela
E o meu sonho é morar numa favela
Eu queria morar numa favela
A minha vida é um pesadelo e eu não consigo acordar
E eu não tenho perspectivas de sair do lugar
A minha sina é suportar viver abaixo do chão
E ser um resto solitário esquecido na multidão
Eu sou o resto…O resto do mundo
Eu sou mendigo um indigente um indigesto um vagabundo
Eu sou o resto do mundo
Eu não sou ninguém
Eu não sou nada
Eu não sou gente
Eu sou o resto do mundo
Eu não sou ninguém.
Frustração
É o resumo do meu ser
Eu sou filho da miséria e o meu castigo é viver
Eu vejo gente nascendo com a vida ganha e eu não tenho uma chance
Deus! Me diga por quê?
Eu sei que a maioria do Brasil é pobre
Mas eu não chego a ser pobre, eu sou podre!
Um fracassado
Mas não fui eu que fracassei
Porque eu não pude tentar
Então que culpa eu terei
Quando eu me revoltar, quebrar, queimar, matar
Não tenho nada a perder
Meu dia vai chegar
Será que vai chegar?
Mas por enquanto
Eu sou o resto…O resto do mundo
Eu num sou ninguém
Eu não sou registrado
Eu não sou baptizado
Eu não sou civilizado
Eu não sou filho do Senhor
Eu não sou computado
Eu não sou consultado
Eu não sou vacinado
Contribuinte eu não sou
Eu não sou comemorado
Eu não sou considerado
Eu não sou empregado
Eu não sou consumidor
Eu não sou amado
Eu não sou respeitado
Eu não sou perdoado
E também sou pecador
Eu não sou representado por ninguém
Eu não sou apresentado pra ninguém
Eu não sou convidado de ninguém
E eu não posso ser visitado por ninguém
Além da minha triste sobrevivência eu tento entender a razão da minha existência
Por quê que eu nasci?Por quê tô aqui?
Um penetra no inferno sem lugar pra fugir
Vivo na solidão mas não tenho privacidade
E não conheço a sensação de ter um lar de verdade
Eu sei que eu não tenho ninguém pra dividir o barraco comigo
Mas eu queria morar numa favela amigo
Eu queria morar numa favelaEu queria morar numa favela
Eu queria morar numa favela
O meu sonho é morar numa favela. Gabriel, O Pensador



Perguntas de um Operário Letrado

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros?
A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares?
A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes?
Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias,
Sózinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas. Bertold Brecht


Se Isto É Um Homem

Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casa aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara. Primo Levi



3 Comments:

Blogger Celso Rosa said...

Caro amigo! Resolvi vir dar uma espreitadela ao teu blog, para te dar uma força! Tens aqui um conjunto de textos de grandes nomes... Mas no fim dizes que houve uma época em que o ser humano foi o carrasco do ser humano. Com isso não concordo, porque simplesmente sempre assim foi. Não é em vão que existe a expressão "O Homem é o lobo do Homem".
Já agora, o 2º comentário no texto sobre o encontro de Sócrates e J. Eduardo dos Santos é meu.
Abraço

2:12 da tarde  
Blogger RUX said...

Meu querido amigo,
sim, tens razão, desde há 150 mil anos que é assim: o homem é o lobo do homem. E, é esta a época a que me refiro. Acontece, que eu acredito no Ser Humano, na Humanidade, e em tudo o que de melhor temos. E é por isso, que eu digo que nunca poderemos esquecer esta época da Humanidade. Os Humanos vindouros nunca o poderão esquecer, para nunca mais o repetirem. Agora, não é de 1 século que te falo, nem de mil anos sequer. Mas, acredito piamente que a Humanidade, um dia, será diferente, terá conseguido libertar-se de tudo o que é negativo em si mesma, e viverá em irmandade, em fraternidade pura e sincera. Daqui a alguns muitos milhares de anos, certamente. Mas, ainda somos tão novos, temos tanto a aprender ainda... Sou um optimista, eu sei, mas é nisto que acredito, no Ser Humano.
Espero que a tua presença aqui seja assídua. És muito bem vindo.
Um abraço

9:26 da tarde  
Blogger Zangado said...

Que as palavras se tornem em acções. Que as acções gerem mais palavras. E já agora, vamos ao TRABALHO!

7:00 da tarde  

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